Artigo sobre Literatura, publicado originalmente em 2016.
Livros brasileiros: 10 romances que marcaram época
Conforme explicado no artigo Livros estrangeiros: 10 romances que marcaram época, esse gênero literário possui narrativa em prosa, normalmente longa, com personagens (muitas vezes complexos) que vivem conflitos ou situações dramáticas. Os fatos são interligados e acontecem ao longo de um período não necessariamente narrados em ordem cronológica.
O livro “Suspiros poéticos e saudades“, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, marcou o início do Romantismo no Brasil em 1836. Dentre as principais características do romance brasileiro, a idealização da mulher, o subjetivismo, temas indígenas, o culto à natureza e a religiosidade.
Novamente, ao invés de falar dos romances atuais, vamos destacar os grandes clássicos. Boa leitura e aproveite a viagem.
1. Memórias Póstumas de Brás Cubas
Um dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis usa da ironia para criticar a elite social no século 19, nesse livro publicado em 1881. Também se opõe a escravidão, abolida no Brasil em 1888, e aos princípios científicos e filosóficos da época. Brás Cubas, o narrador-protagonista, é um defunto que resolve escrever sua autobiografia. Longe do convívio terreno ele tira um sarro da burguesia da qual fazia parte. Além de ter criado o primeiro escritor morto da história, Machado de Assis não segue uma ordem cronológica, apresenta a filosofia do Humanitismo, e desenvolve a narrativa com técnicas inovadoras e ousadas. Assista ao trailer do filme de 2001 e faça o download do livro em PDF de domínio público.
2. Mar Morto
Os livros de Jorge Amado são os nacionais mais adaptados para o cinema, teatro e TV. Dona Flor e Seus Dois Maridos; Tieta do Agreste; Gabriela, Cravo e Canela, dentre outros sucessos. Em Mar Morto, publicado em 1936, conhecemos a vida de Guma, sobrinho do Seu Francisco, um dos mais antigos marinheiros do Cais da Bahia. Depois de salvar um navio que estava prestes a afundar em uma noite de tempestade, Guma vira herói no povoado.
Mar Morto é um retrato fiel da vida árdua dos pescadores, os homens do mar presos ao cotidiano de seus antepassados. Todos devotos de Iemanjá, a Rainha do Mar. O culto à natureza e a mitologia da umbanda e candomblé são elementos marcantes na obra de Jorge Amado.
3. O Ateneu
Escrito por Raul Pompéia e publicado pela primeira vez em 1888 é o único livro brasileiro de romance impressionista, que retrata a realidade com uma linguagem imperfeita e o uso de metáforas.
Sérgio, o protagonista, é um menino recém-chegado ao internato Ateneu. Considerado o melhor do Brasil, reunia os filhos da elite abastada submetendo-os a rígidas regras disciplinares. Na primeira aula, o professor pede para que Sérgio fique em pé e se apresente na frente da sala, mas ele passa mal e desmaia. Vira motivo de chacota e se envolve em uma briga.
Crianças nascidas em berço de ouro com valores morais de latão enferrujado. A narrativa não linear de O Ateneu mostra o lado sombrio e sórdido da nata da sociedade na época. A falsidade e a imprudência dos colegas e a postura ditatorial do diretor Dr. Aristarco – um homem ganancioso, preocupado com o lucro e pouco se lixando para os alunos – ficam evidentes para Sérgio. Superando adversidades, ele faz amizades verdadeiras, duas íntimas e ardentes. A paixão precoce por Dona Emma, a mulher do diretor, e a relação com Egbert, considerada por todos como homossexualismo.
4. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite”. É assim que o romance de Mário de Andrade, publicado em 1928, apresenta o personagem símbolo do modernismo brasileiro.
Nascido filho de uma índia na Floresta Amazônica, Macunaíma passa por várias aventuras na selva da natureza e na selva de pedra, em suas viagens para o Rio de Janeiro e São Paulo. Ele é a representação da identidade do povo brasileiro, com sua vida ligada aos mitos indígenas e ao folclore nacional. A narrativa tem uma estrutura inovadora para a época, fora do tempo-espaço e repleta de surrealismo. O livro foi adaptado para o cinema em 1969.
5. Vidas Secas
Escrito por Graciliano Ramos e publicado em 1938, mostra a vida sofrida dos nordestinos que, afetados pelo flagelo da seca, fogem de suas cidades. Assim como faz o protagonista Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória, os dois filhos e a cadela Baleia.
Cruzando a caatinga sob o sol impiedoso, eles se instalam em uma casa abandonada até que aparece o dono da terra. Para continuar lá Fabiano começa a trabalhar de vaqueiro em troca de roupas, animais para criação e produtos para iniciar o serviço. Os demais produtos eram vendidos pelo patrão com preços abusivos.
Fabiano então decide fazer suas compras na cidade e conhece o militar Soldado Amarelo, que o convida para jogar baralho num grupo de apostas. Os dois se dão mal e Amarelo desconta sua raiva prendendo Fabiano, que depois é liberado e volta pra casa e ao trabalho. Desconfiado de erros em seu pagamento ele discute com o patrão, é demitido e readmitido depois de se desculpar. No entanto a exploração continua e a família foge novamente em busca de melhores condições.
Assista a um trecho do filme de 1963.
6. Grande Sertão Veredas
Leitura imprescindível da literatura brasileira, o romance de João Guimarães Rosa, publicado em 1956, foi escolhido pela imprensa nacional e associações estrangeiras como um dos 100 livros mais marcantes do século XX.
O narrador-protagonista, o jagunço Riobaldo, conta suas histórias de vingança, lutas, perseguições, medos, dúvidas e amores pelos sertões de Minas Gerais, de Goiás e do sul da Bahia. Em suas reflexões nosso herói se preocupa com a existência do diabo com quem supostamente teria feito um pacto na juventude. Apesar de algumas evidências nada é confirmado deixando espaço aberto para as interpretações do leitor.
A vida de Riobaldo reflete os conflitos, as projeções, ações e omissões que todo ser humano tem ao longo da vida, em meio a um mundo indiferente. A obra virou minissérie de TV em 1985 e ganhou uma nova versão cinematográfica em 2023.
7. A Paixão segundo G.H.
Esse importante romance de Clarice Lispector, publicado pela primeira vez em 1964, é marcado por uma estrutura solta, que começa e termina com reticências. O leitor mergulha na vida da protagonista G.H., uma mulher de sucesso na vida profissional, porém atormentada por angústias e inquietações. A narrativa é um monólogo em primeira pessoa.
Seis meses depois de demitir a empregada doméstica, G.H. vai arrumar o quarto em que ela dormia e no momento em vê uma barata saindo do guarda-roupa percebe seu próprio vazio interior e a solidão que a sufoca. Ao esmagar a barata e comê-la descobre a sua verdadeira razão de estar no mundo. Assim como em outras obras de Clarice Lispector, “A Paixão segundo G.H.” é repleta de paradoxos e utiliza a linguagem para afastar os personagens de sua essência e, ao mesmo tempo, demonstrar o melhor e o pior de nossa condição humana.
8. O Coronel e o Lobisomem
O segundo livro do escritor José Cândido de Carvalho, lançado em 1964, é ambientado no litoral carioca e conta a história do coronel Ponciano de Azeredo Furtado, que também é proprietário de fazendas de gado.
A narrativa em primeira pessoa utiliza o realismo fantástico, o neologismo, a ironia e metáforas. Ponciano sai do campo para virar negociante na cidade Campos de Goitacazes. Sem se adaptar ao meio urbano e com poucos conhecimentos de finanças, ele é enrolado e quase perde sua fortuna. Sentindo-se injustiçado, vira um cavaleiro defensor dos oprimidos e parte para uma série de aventuras. Caça uma onça-pintada, encara uma sereia e luta contra um lobisomem, “bicho de muita astúcia no atacado e no varejo” segundo o coronel.
Assista ao trailer do filme de 2005.
9. A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
Esse romance lançado em 1971 traz o estilo único do escritor Ariano Suassuna, que mistura literatura de cordel, novela de cavalaria, autobiografia, mitologia, histórias de amor, ódio e sangue.
O narrador-protagonista Dom Pedro Dinis Ferreira-Quadrena se autoproclama “Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Serteneja e pretendente ao trono do Império do Brasil”. Além de sua própria história, contada de maneira não linear, ele também retrata os demais personagens, todos inspirados na cultura dos sertanejos nordestinos.
Muitos livros dentro de um, A Pedra do Reino é uma viagem pela história de Portugal e do Brasil reunindo as tradições dos colonizadores europeus, transmitidas ao longo dos séculos, com lendas nosso folclore. Virou filme, peça de teatro e série de TV em 2007.
10. Olhai os Lírios do Campo
Inspirado na passagem bíblica “O Sermão da Montanha”, “Olhai os Lírios do Campo” é um dos maiores clássicos do romance brasileiro. Escrito por Érico Veríssimo e publicado em 1938, nos leva a pensar sobre o sentido da vida e os valores que podemos ter.
Depois de muito sacrifício, Eugênio Pontes, um moço de família humilde, consegue formar-se médico. No dia da formatura ele conhece Olivia, uma jovem simples, de extrema sensibilidade, bom senso e excelente coração. Juntos vão trabalhar no Hospital do Coração de Porto Alegre e Olivia tenta mostrar a Eugênio que, mais valiosa do que o dinheiro e sucesso, a felicidade vem das atitudes corretas e da solidariedade.
Os dois acabam se envolvendo emocionalmente até que Olivia vai trabalhar em uma cidade do interior. Eugênio, que nunca assumira a relação com Olivia, conhece Eunice, filha de um rico empresário e se casa com ela por puro interesse. Acaba deixando para trás a sua família e os antigos ideais humanitários. Passado um tempo, Olivia retorna à Porto Alegre e conta a Eugênio que tivera uma filha com ele, a Ana Maria.
O casamento com Eunice começa a desmoronar e depois de receber a notícia da morte de Olívia, Eugênio se separa e passa a dedicar sua vida a criação de Ana Maria e ao atendimento de pacientes pobres. Nesse momento ele encontra sua paz interior e descobre que é possível construir um mundo melhor.
“Olhai os Lírios do Campo” teve adaptações cinematográficas, a primeira em 1947 na Argentina, virou filme para a TV brasileira em 1980 e você pode fazer o download do livro em PDF de domínio público.